quinta-feira, 26 de junho de 2014

O Estado da Alma Após a Morte

Qual é o estado da alma após a morte física? É aniquilada (deixa de existir), entra em estado de sono até o dia da ressurreição, ou continua viva e consciente? Encontramos, na Bíblia, alguma indicação quanto ao destino da alma além vida?

Felizmente a Bíblia nos oferece respostas a estas indagações. Após a morte física, a alma continuará consciente e irá ou para um lugar de paz e felicidade (céu) ou para um lugar de tormento (inferno), dependendo da decisão que a pessoa tenha tomado enquanto viva.

A história relatada por Jesus em Lucas 16:19:31 nos abre uma janela para a vida após a morte: Lázaro, foi para junto de Abraão e o rico, foi para um lugar de tormento. Ambos tinham consciência de onde estavam, do sofrimento e dos que ainda estavam vivos na terra. A história também nos mostra que podiam raciocinar.

No livro de Apocalipse João relata, em 6:9-11, que as almas dos que morreram clamavam a Deus por justiça.  Encontravam-se, portanto, conscientes. Em 7:9-10, as almas dos salvos de todas as tribos, povos e nações louvavam a Deus.

Em  Lucas 23:43, Jesus, na cruz, falou para o ladrão que havia crido nele, que naquele mesmo dia estaria com Jesus no paraíso. Isto nos mostra que a alma do ladrão arrependido não iria simplesmente passar a um estado de inconsciência, mas teria comunhão com Jesus no paraíso.

Em 2 Coríntios 5:6-8, Paulo nos diz que, quando estamos no corpo (vivos, sobre esta terra), estamos longe do Senhor (longe de onde ele habita) mas, quando estamos ausentes do corpo (morte física), habitaremos com o Senhor, o que é muito preferível. Se é preferível habitar com o Senhor após a morte física, quer dizer que teremos consciência de que isto é prazeroso. Em Filipenses 1:23, falando sobre o dilema de permanecer nesta terra ou de estar com o Senhor, Paulo novamente fala da vantagem de estar com o Senhor, o que presume um estado de consciência da alma.

No Salmo 115:17 pode, à primeira vista, parecer que os mortos entram em estado de sono, pois diz que “os mortos não louvam o Senhor, nem os que descem à região do silêncio”. Precisamos entender que o salmo fala do ponto de vista dos humanos que aqui ficam. Estes não veem os mortos louvarem a Deus. “Região do silêncio” não é o silêncio da alma, mas o silêncio do túmulo, onde fica o corpo físico. Tudo fica mais claro no versículo seguinte (v. 18), quando o salmista diz: “Nós (os salvos), porém, bendiremos ao Senhor, desde agora e para sempre. Aleluia”. O nosso louvor começa nesta vida e continua, sem interrupção, por toda eternidade.

A Bíblia frequentemente refere-se à morte como dormir, um estado transitório de sono (já que o corpo ressuscitará), porém jamais afirma que é a alma que dorme. Esta expressão, na Bíblia, é um eufemismo para falar da morte fícisa. O corpo de uma pessoa morta (cadáver) sempre nos dá a impressão de alguém que esteja dormindo. Também é uma expressão usada para enfatizar que a morte não é o fim e que temos a promessa da ressurreição.


Não se iluda pensando que após a morte sua alma deixará de existir ou que então entrará em um “sono”, sem consciência. A alma é eterna e permanecerá consciente, seja em ambiente prazeroso na presença de Deus ou, então, em tormento, longe da presença do Mestre.


terça-feira, 17 de junho de 2014

Personalidade, Tradição e Espiritualidade

Em um capítulo de um livro de David Teague[1] que li recentemente, o autor faz a pergunta: “Nossa personalidade pode moldar nossa espiritualidade?”. Boa pergunta. Comecei a refletir mais sobre esta questão. Quando observamos pessoas que conhecemos como verdadeiros cristãos, podemos reparar que, no que tange à vida espiritual, suas preferências e expressões de adoração e serviço a Deus são bastante variadas.

Como sabemos, as pessoas possuem personalidades diferentes umas das outras. Uma das formas mais conhecidas de classificação de personalidades considera quatro áreas do pensamento e comportamento humano. As diversas combinações possíveis destas áreas levam aos tipos de personalidade. Vejamos estas áreas[2].

Atitudes: Extrovertidos e Introvertidos
O extrovertido obtém sua energia da ação; gosta de realizar várias atividades; age primeiro e depois pensa. Gosta de estar com as pessoas e renova suas energias através desta interação. O introvertido obtém sua energia das ideias; prefere refletir antes de agir e, novamente, refletir. Precisa de tempo para pensar e recuperar sua energia. A interação com as pessoas esgota sua energia.

No campo da espiritualidade é muito comum vermos esta diferença. Algumas pessoas preferem expressões corporativas de adoração e oração e sentem uma maior conexão com Deus nestes momentos mais agitados, sendo a adoração e a oração particulares mais difíceis e de menor significado espiritual. Por outro lado, outras pessoas tendem a se distrair e ficam incomodadas durante a adoração corporativa e sentem-se mais próximas de Deus quando estão sozinhas em um ambiente calmo e contemplativo.

Funções: Sensoriais e Intuitivos
As pessoas sensoriais confiam mais em coisas palpáveis, concretas, informações sensoriais. Gostam de detalhes e fatos. Para elas o significado está nos dados. Precisam de muitas informações. Ao contrário, pessoas intuitivas preferem informações abstratas e teóricas, que podem ser associadas com outras informações. Gostam de interpretar os dados com base em suas crenças e experiências pessoais. Trabalham bem com informações incompletas e imperfeitas.

A espiritualidade reflete estas diferenças. Os sensoriais preferem uma espiritualidade mais concreta, mais facilmente explicada com base nos fatos e nas doutrinas. Os intuitivos tendem a dar uma importância menor às doutrinas e valorizam mais suas experiências e a aplicabilidade de sua fé.

Decisões: Racionalistas e Sentimentais
Esta área descreve como as decisões são tomadas. Os racionalistas decidem com base na lógica e procuram argumentos racionais enquanto que os sentimentais decidem com base em seus sentimentos.
Na vida espiritual isto também acontece. Os racionalistas se lembram de princípios bíblicos que são aplicados de maneira racional na hora de tomar decisões. Os sentimentais tendem a fazê-lo de acordo com o que sentem, o que parece ser certo.

Estilo de Vida: Julgadores e Perceptivos
Os “julgadores” gostam de viver uma vida bem regrada onde não haja grandes surpresas: as coisas acontecem no horário e tudo está em ordem. Gostam de organização, programação e horários. Os “perceptivos” preferem viver a vida de forma mais espontânea, não fazem questão de serem interrompidos e levados a fazer uma coisa inesperada. Sentem-se à vontade trabalhando com o incerto e o desconhecido, sendo também mais desorganizados.

Na igreja vemos estas diferenças. Alguns têm a tendência de precisar conhecer e estabelecer metas, programações, horários e liturgias. São bem organizados e se frustram com os que não são. Outros são mais desorganizados e retardatários, preferindo ser espontâneos e lidam bem com a incerteza.

Nenhuma destas opções é certa ou errada; apenas traduz a preferência pessoal ligada à personalidade de cada um. Cada uma delas possui seus pontos fortes e suas fraquezas, que precisam ser conhecidos para se evitar o extremismo. A tendência de cada um é achar que o seu jeito de pensar ou agir é o correto. Tomando por base a nossa preferência na expressão da nossa espiritualidade, baseado na nossa personalidade, facilmente julgamos a espiritualidade dos outros. O extrovertido que gosta de um culto mais agitado e celebrativo com a presença de muitas pessoas pode julgar o introvertido como um alienado e espiritualmente frio. O introvertido que prefere um grupo menor ou um tempo mais contemplativo a sós com Deus pode julgar o extrovertido como superficial e não espiritual. E por aí vai. É necessário reconhecermos, respeitarmos e apreciarmos nossas diferenças.

Tradições Espirituais Diversas
Além das diferenças em nossas personalidades, existem também diferenças relativas à nossa tradição cristã. Desde os primórdios do cristianismo, várias tradições têm se desenvolvido, cada uma dando maior ênfase a alguns aspectos da vida cristã. Richard Foster[3] fez um excelente trabalho de identificação, resumindo-as em seis tradições espirituais. Vejamos as suas características.

Tradição contemplativa – uma vida voltada à oração. A ênfase desta tradição é na necessidade de uma aproximação com Deus através da contemplação. Esta se pratica principalmente através da meditação e da oração. Há uma longa história de homens e mulheres que chegaram a se isolar parcialmente ou completamente do mundo (místicos, movimento monástico) para se dedicar mais à meditação e à oração. Outros procuraram integrar a prática da consciência da presença de Deus em suas atividades diárias.

No Antigo Testamento temos os exemplos de Daniel (que tinha a prática de orar três vezes ao dia) e David (através da poesia e da música). Quando Jesus tinha uma semana de idade, seus pais o levaram ao templo onde encontraram Ana, uma viúva idosa que “não se afastava do templo, cultuando a Deus dia e noite com jejuns e oração” (Lc 2:36-37).

Tradição “holiness” – uma vida virtuosa. A ênfase desta tradição é o viver virtuoso, santo, de piedade. Através da história cristã temos não somente indivíduos, mas também movimentos (como os puritanos e pietistas) que eram conhecidos pelo seu rigor na prática das virtudes.

No Antigo Testamento temos o clássico exemplo de José, jovem piedoso e correto. Quando os inimigos de Daniel procuraram um motivo para acusá-lo, “não conseguiram encontrar motivo ou falta alguma, porque ele era fiel, e não havia nenhum erro ou falta nele” (Dn 6:4). Maria foi escolhida para ser a mãe física de Jesus por ser uma jovem íntegra e piedosa.

Tradição carismática – uma vida no poder do Espírito. Esta tradição se caracteriza pela ênfase em ser cheio do Espírito Santo e viver a vida cristã na dependência dele. Grande destaque é dado às manifestações sobrenaturais do poder de Deus.

No Antigo Testamento a dupla de profetas Elias e Elizeu foram poderosamente usados por Deus e seus ministérios caracterizados pelos milagres realizados. No Novo Testamento os apóstolos de Jesus operaram muitos sinais e maravilhas pelo poder do Espírito e Estevão foi descrito como “homem cheio de graça e poder” que “realizava feitos extraordinários e grandes sinais entre o povo” (At 6:8).

Tradição da justiça social – uma vida de compaixão. Esta também é uma longa tradição. Os cristãos se destacam na história como um povo que defende e ajuda os pobres, os marginalizados e os oprimidos. Inúmeros foram as organizações e movimentos que lutaram pela justiça social e ministraram aos menos favorecidos (como Francisco de Assis e John Wesley com o metodismo).

Muitos foram os profetas no Antigo Testamento que pregavam contra a injustiça social de seu dia e conclamavam ao arrependimento. No Novo Testamento, Tabita (Dorcas) “fazia boas obras e dava esmolas” (At 9:36). A igreja de Jerusalém, nos seus primeiros anos, praticava a venda de propriedades para ajudar os pobres e instituíram o cargo de diáconos para que cuidassem das necessidades físicas da comunidade. Mais tarde as igrejas da Ásia Menor, Macedônia e Acaia fizeram uma campanha para ajudar os cristãos desprovidos da Judeia. 

Tradição evangélica – uma vida centrada na Palavra. A tradição protestante, desde a Reforma, tem enfatizado o estudo e a pregação da Bíblia para a evangelização e o crescimento espiritual. Quando um segmento do protestantismo se tornou liberal, os evangélicos mantiveram a ênfase na Palavra.
No Antigo Testamento, Esdras e a escola de escribas que ele iniciou fez muito para o ensino e preservação das Escrituras. Filipe, Paulo e Apolo se destacam no Novo Testamento como grandes evangelistas e pregadores da Palavra de Deus.

Tradição da encarnação – uma vida integrada na comunidade. Este talvez seja o mais difícil de entender, mas diz respeito à integração na comunidade para servir como agente do Reino de Deus para a transformação da comunidade. É ser “sal” e “luz” onde quer que se esteja. O exemplo de movimento neste sentido que podemos citar é dos morávios que enviaram milhares de missionários ao redor do mundo. Estes não eram sustentados pela sua comunidade cristã de origem, mas se integravam à comunidade hospedeira, trabalhando e convivendo com os povos que queriam ganhar. Tornavam-se um deles para poder ganha-los para Cristo.

Paulo escreveu: “Pois, sendo livre de todos, tornei-me escravo de todos para ganhar o maior número possível: para os judeus, tornei-me judeu, para ganhar os judeus. Para os que estão debaixo da lei, como se eu estivesse debaixo da lei..., para ganhar os que estão debaixo da lei. Para os que estão sem lei, como se estivesse sem lei..., para ganhar os que estão sem lei. Para os fracos tornei-me fraco, para ganhar os fracos. Tornei-me tudo para com todos, para de todos os meios vir a salvar alguns” (At 9:19-22).
Todos nós fomos influenciados por pelo menos uma destas tradições. Por desconhecer ou não se sentir confortável com a expressão da espiritualidade de algumas das outras tradições, a tendência é achar que somente a nossa está correta e que as outras estão equivocadas. Todas têm equívocos, mas todas também têm o seu ponto forte. Aprender a reconhecer, respeitar e apreciar outras tradições pode enriquecer a nossa própria espiritualidade.

O nosso padrão supremo é o Senhor Jesus. No exemplo de vida que ele nos deixou, vemos elementos de todas estas tradições. Jesus praticou a contemplação no início do seu ministério quando passou 40 dias no deserto e ao longo de seu ministério regularmente reservava tempo para oração, separando-se das multidões para estar a sós com o Pai. Jesus viveu uma vida santa, sem pecado, diante de todos. Também viveu no “poder do Espírito” (Lc 4:14), realizando grandes sinais e milagres. Ele foi um defensor dos pobres, viúvas e estrangeiros, compadecendo-se e servindo as pessoas à margem da sociedade, criticando os que os oprimiam. Jesus era profundo conhecedor das Escrituras, discutindo com os mestres da lei desde os 12 anos de idade, ensinava e pregava nas sinagogas, para os discípulos, como também para multidões. Jesus é o exemplo supremo da encarnação, deixando sua glória junto ao Pai para se tornar ser humano, vivendo entre o povo como cidadão comum. Nasceu humildemente em uma manjedoura, exerceu uma profissão braçal, dormiu, comeu e caminhou juntamente com as multidões.

Se Jesus foi exemplo de todos estes aspectos da vida cristã, nós também devemos aprender com os que têm mais experiência do que nós em determinadas tradições. Desta forma teremos uma espiritualidade mais equilibrada e sadia e desenvolveremos um maior respeito e tolerância por outras formas de expressão da espiritualidade.




[1] Teague, David. Godly Servants: Discipleship and Spiritual Formation for Missionaries. Mission Imprints, 2012. Kindle Edition, p. 101.
[2] Informações da classificação tirada de Wikipédia: Classificação Tipológica de Myers-Briggs, http://pt.wikipedia.org/wiki/Classifica%C3%A7%C3%A3o_tipol%C3%B3gica_de_Myers_Briggs
[3] Foster, Richard J. Streams of Living Water: Celebrating the Great Traditions of Christ. Harper Collins. Kindle Edition, 2010.