Em um capítulo de um livro de David Teague
que li recentemente, o autor faz a pergunta: “Nossa personalidade pode moldar
nossa espiritualidade?”. Boa pergunta. Comecei a refletir mais sobre esta
questão. Quando observamos pessoas que conhecemos como verdadeiros cristãos, podemos
reparar que, no que tange à vida espiritual, suas preferências e expressões
de adoração e serviço a Deus são bastante variadas.
Como sabemos, as pessoas possuem personalidades
diferentes umas das outras. Uma das formas mais conhecidas de classificação de
personalidades considera quatro áreas do pensamento e comportamento humano. As
diversas combinações possíveis destas áreas levam aos tipos de personalidade.
Vejamos estas áreas.
Atitudes: Extrovertidos e Introvertidos
O extrovertido obtém sua energia da ação; gosta
de realizar várias atividades; age primeiro e depois pensa. Gosta de estar com
as pessoas e renova suas energias através desta interação. O introvertido obtém
sua energia das ideias; prefere refletir antes de agir e, novamente, refletir.
Precisa de tempo para pensar e recuperar sua energia. A interação com as
pessoas esgota sua energia.
No campo da espiritualidade é muito comum
vermos esta diferença. Algumas pessoas preferem expressões corporativas de
adoração e oração e sentem uma maior conexão com Deus nestes momentos mais
agitados, sendo a adoração e a oração particulares mais difíceis e de menor
significado espiritual. Por outro lado, outras pessoas tendem a se distrair e ficam
incomodadas durante a adoração corporativa e sentem-se mais próximas de Deus
quando estão sozinhas em um ambiente calmo e contemplativo.
Funções: Sensoriais e Intuitivos
As pessoas sensoriais confiam mais em coisas
palpáveis, concretas, informações sensoriais. Gostam de detalhes e fatos. Para elas
o significado está nos dados. Precisam de muitas informações. Ao contrário, pessoas
intuitivas preferem informações abstratas e teóricas, que podem ser associadas
com outras informações. Gostam de interpretar os dados com base em suas crenças
e experiências pessoais. Trabalham bem com informações incompletas e
imperfeitas.
A espiritualidade reflete estas diferenças. Os
sensoriais preferem uma espiritualidade mais concreta, mais facilmente
explicada com base nos fatos e nas doutrinas. Os intuitivos tendem a dar uma
importância menor às doutrinas e valorizam mais suas experiências e a
aplicabilidade de sua fé.
Decisões: Racionalistas e Sentimentais
Esta área descreve como as decisões são
tomadas. Os racionalistas decidem com base na lógica e procuram argumentos
racionais enquanto que os sentimentais decidem com base em seus sentimentos.
Na vida espiritual isto também acontece. Os
racionalistas se lembram de princípios bíblicos que são aplicados de maneira
racional na hora de tomar decisões. Os sentimentais tendem a fazê-lo de acordo
com o que sentem, o que parece ser certo.
Estilo de Vida: Julgadores e Perceptivos
Os “julgadores” gostam de viver uma vida bem
regrada onde não haja grandes surpresas: as coisas acontecem no horário e tudo
está em ordem. Gostam de organização, programação e horários. Os “perceptivos”
preferem viver a vida de forma mais espontânea, não fazem questão de serem
interrompidos e levados a fazer uma coisa inesperada. Sentem-se à vontade
trabalhando com o incerto e o desconhecido, sendo também mais desorganizados.
Na igreja vemos estas diferenças. Alguns têm a
tendência de precisar conhecer e estabelecer metas, programações, horários e
liturgias. São bem organizados e se frustram com os que não são. Outros são
mais desorganizados e retardatários, preferindo ser espontâneos e lidam bem com
a incerteza.
Nenhuma destas opções é certa ou errada; apenas
traduz a preferência pessoal ligada à personalidade de cada um. Cada uma delas possui
seus pontos fortes e suas fraquezas, que
precisam ser conhecidos para se evitar o extremismo. A tendência de cada um é
achar que o seu jeito de pensar ou agir é o correto. Tomando por base a nossa
preferência na expressão da nossa espiritualidade, baseado na nossa
personalidade, facilmente julgamos a espiritualidade dos outros. O extrovertido
que gosta de um culto mais agitado e celebrativo com a presença de muitas
pessoas pode julgar o introvertido como um alienado e espiritualmente frio. O
introvertido que prefere um grupo menor ou um tempo mais contemplativo a sós
com Deus pode julgar o extrovertido como superficial e não espiritual. E por aí
vai. É necessário reconhecermos, respeitarmos e apreciarmos nossas diferenças.
Tradições Espirituais Diversas
Além das diferenças em nossas personalidades,
existem também diferenças relativas à nossa tradição cristã. Desde os
primórdios do cristianismo, várias tradições têm se desenvolvido, cada uma
dando maior ênfase a alguns aspectos da vida cristã. Richard Foster
fez um excelente trabalho de identificação, resumindo-as em seis tradições
espirituais. Vejamos as suas características.
Tradição
contemplativa – uma vida voltada à oração. A ênfase desta tradição é na
necessidade de uma aproximação com Deus através da contemplação. Esta se
pratica principalmente através da meditação e da oração. Há uma longa história
de homens e mulheres que chegaram a se isolar parcialmente ou completamente do
mundo (místicos, movimento monástico) para se dedicar mais à meditação e à
oração. Outros procuraram integrar a prática da consciência da presença de Deus
em suas atividades diárias.
No Antigo Testamento temos os exemplos de
Daniel (que tinha a prática de orar três vezes ao dia) e David (através da
poesia e da música). Quando Jesus tinha uma semana de idade, seus pais o
levaram ao templo onde encontraram Ana, uma viúva idosa que “não se afastava do
templo, cultuando a Deus dia e noite com jejuns e oração” (Lc 2:36-37).
Tradição “holiness”
– uma vida virtuosa. A ênfase desta tradição é o viver virtuoso,
santo, de piedade. Através da história cristã temos não somente indivíduos, mas
também movimentos (como os puritanos e pietistas) que eram conhecidos pelo seu
rigor na prática das virtudes.
No Antigo Testamento temos o clássico exemplo
de José, jovem piedoso e correto. Quando os inimigos de Daniel procuraram um
motivo para acusá-lo, “não conseguiram encontrar motivo ou falta alguma, porque
ele era fiel, e não havia nenhum erro ou falta nele” (Dn 6:4). Maria foi
escolhida para ser a mãe física de Jesus por ser uma jovem íntegra e piedosa.
Tradição
carismática – uma vida no poder do Espírito. Esta tradição se caracteriza pela
ênfase em ser cheio do Espírito Santo e viver a vida cristã na dependência
dele. Grande destaque é dado às manifestações sobrenaturais do poder de Deus.
No Antigo Testamento a dupla de profetas Elias
e Elizeu foram poderosamente usados por Deus e seus ministérios caracterizados
pelos milagres realizados. No Novo Testamento os apóstolos de Jesus operaram
muitos sinais e maravilhas pelo poder do Espírito e Estevão foi descrito como
“homem cheio de graça e poder” que “realizava feitos extraordinários e grandes
sinais entre o povo” (At 6:8).
Tradição da justiça
social – uma vida de compaixão. Esta também é uma longa tradição. Os
cristãos se destacam na história como um povo que defende e ajuda os pobres, os
marginalizados e os oprimidos. Inúmeros foram as organizações e movimentos que
lutaram pela justiça social e ministraram aos menos favorecidos (como Francisco
de Assis e John Wesley com o metodismo).
Muitos foram os profetas no Antigo Testamento
que pregavam contra a injustiça social de seu dia e conclamavam ao
arrependimento. No Novo Testamento, Tabita (Dorcas) “fazia boas obras e dava
esmolas” (At 9:36). A igreja de Jerusalém, nos seus primeiros anos, praticava a
venda de propriedades para ajudar os pobres e instituíram o cargo de diáconos
para que cuidassem das necessidades físicas da comunidade. Mais tarde as
igrejas da Ásia Menor, Macedônia e Acaia fizeram uma campanha para ajudar os
cristãos desprovidos da Judeia.
Tradição evangélica
– uma vida centrada na Palavra. A tradição protestante, desde a
Reforma, tem enfatizado o estudo e a pregação da Bíblia para a evangelização e
o crescimento espiritual. Quando um segmento do protestantismo se tornou
liberal, os evangélicos mantiveram a ênfase na Palavra.
No Antigo Testamento, Esdras e a escola de
escribas que ele iniciou fez muito para o ensino e preservação das Escrituras.
Filipe, Paulo e Apolo se destacam no Novo Testamento como grandes evangelistas
e pregadores da Palavra de Deus.
Tradição da
encarnação – uma vida integrada na comunidade. Este
talvez seja o mais difícil de entender, mas diz respeito à integração na
comunidade para servir como agente do Reino de Deus para a transformação da
comunidade. É ser “sal” e “luz” onde quer que se esteja. O exemplo de movimento
neste sentido que podemos citar é dos morávios que enviaram milhares de
missionários ao redor do mundo. Estes não eram sustentados pela sua comunidade
cristã de origem, mas se integravam à comunidade hospedeira, trabalhando e
convivendo com os povos que queriam ganhar. Tornavam-se um deles para poder
ganha-los para Cristo.
Paulo escreveu: “Pois, sendo livre de todos,
tornei-me escravo de todos para ganhar o maior número possível: para os judeus,
tornei-me judeu, para ganhar os judeus. Para os que estão debaixo da lei, como
se eu estivesse debaixo da lei..., para ganhar os que estão debaixo da lei.
Para os que estão sem lei, como se estivesse sem lei..., para ganhar os que
estão sem lei. Para os fracos tornei-me fraco, para ganhar os fracos. Tornei-me
tudo para com todos, para de todos os meios vir a salvar alguns” (At 9:19-22).
Todos nós fomos influenciados por pelo menos
uma destas tradições. Por desconhecer ou não se sentir confortável com a
expressão da espiritualidade de algumas das outras tradições, a tendência é
achar que somente a nossa está correta e que as outras estão equivocadas. Todas
têm equívocos, mas todas também têm o seu ponto forte. Aprender a reconhecer,
respeitar e apreciar outras tradições pode enriquecer a nossa própria
espiritualidade.
O nosso padrão supremo é o Senhor Jesus. No
exemplo de vida que ele nos deixou, vemos elementos de todas estas tradições.
Jesus praticou a contemplação no início do seu ministério quando passou 40 dias
no deserto e ao longo de seu ministério regularmente reservava tempo para
oração, separando-se das multidões para estar a sós com o Pai. Jesus viveu uma
vida santa, sem pecado, diante de todos. Também viveu no “poder do Espírito”
(Lc 4:14), realizando grandes sinais e milagres. Ele foi um defensor dos
pobres, viúvas e estrangeiros, compadecendo-se e servindo as pessoas à margem
da sociedade, criticando os que os oprimiam. Jesus era profundo conhecedor das
Escrituras, discutindo com os mestres da lei desde os 12 anos de idade,
ensinava e pregava nas sinagogas, para os discípulos, como também para
multidões. Jesus é o exemplo supremo da encarnação, deixando sua glória junto
ao Pai para se tornar ser humano, vivendo entre o povo como cidadão comum.
Nasceu humildemente em uma manjedoura, exerceu uma profissão braçal, dormiu,
comeu e caminhou juntamente com as multidões.
Se Jesus foi exemplo de todos estes aspectos da
vida cristã, nós também devemos aprender com os que têm mais experiência do que
nós em determinadas tradições. Desta forma teremos uma espiritualidade mais
equilibrada e sadia e desenvolveremos um maior respeito e tolerância por outras
formas de expressão da espiritualidade.