Por todo lado ouço falar em milagres. Esta semana passei na frente de uma igreja evangélica intitulada Igreja dos Milagres. Pastores e apóstolos fazem divulgação da noite dos milagres. Igrejas prometem um milagre para minha vida. A música me promete que “hoje, o meu milagre vai chegar”. Milagre virou coisa banal, corriqueira. É tanto milagre, que o preço está baratinho: R$ 0,50 a dúzia. Muitos até consideram que se não houver milagre na sua vida ou na sua igreja, Deus não está presente. Afinal das contas, milagre não é evidência da ação de Deus? Será que é mesmo?
Vamos começar com uma pergunta simples, mas de resposta complexa: o que é um milagre? Quando fiz esta pergunta na África, onde trabalhava há alguns anos atrás, a resposta foi: “algo que nunca tenha sido visto antes”. Ocorreu-me várias vezes de chegar a vilarejos no interior na Costa do Marfim onde nunca haviam recebido a visita de um branco. As crianças saíam correndo, chorando e gritando, como se tivessem visto um fantasma. Será que eu era um milagre? Claro que não. Se eu for até uma tribo indígena brasileira que nunca viu uma máquina fotográfica, tirar uma foto deles e mostrar-lhes, seria isto um milagre? Também não.
Já me disseram que milagre exige fé. Porém, a Bíblia apresenta vários exemplos onde milagres foram realizados sem fé: as dez pragas do Egito (os egípcios certamente não exerceram fé e Moisés simplesmente estava cumprindo ordens de Deus – até mesmo com certa relutância); Jesus acalmou a tempestade no Mar da Galileia não por causa da fé dos discípulos, pois estavam todos amedrontados. Então, fé não pode fazer parte da definição de milagre. Mesmo se algumas pessoas foram curadas por causa da sua fé, não podemos generalizar e dizer que todo milagre requer fé.
Então, milagre talvez seja Deus mostrando seu poder. Mas será que todo milagre vem de Deus? Os encantadores e magos do Faraó do Egito também fizeram milagres, imitando a vara que transformou-se em serpente e as três primeiras pragas (Êxodo capítulos 7 e 8). Realizaram estes milagres “com as suas ciências ocultas” (Ex 7:11), isto é, com o poder de Satanás. Elimas, o mágico (que fazia milagres), foi chamado por Paulo de “filho do diabo” (At 13:10). Jesus avisou que existiriam muitos falsos profetas disfarçados de ovelhas que realizariam milagres no nome dele, mas que na verdade não são dele (Mt 7:15-20). Certamente o poder destes vem do diabo, o mentiroso e enganador. Sem dúvida, muitos dos milagres alardeados por aí vem destes falsos profetas. Milagre não é prova do poder de Deus! Nosso Inimigo também o realiza através dos seus agentes.
Poderíamos, então, dizer que milagres são coisas espantosas, surpreendentes ou incompreensíveis? O homem chegou à lua, clonou uma ovelha e socorreu mineiros presos por 70 dias a 700 metros de profundidade. Milagre? Não: tecnologia.
Então voltamos à nossa pergunta: o que é um milagre? Proponho a seguinte definição: milagre é um acontecimento excepcional que contraria as leis naturais. Vamos começar com o conceito de o milagre contrariar as leis naturais. Quando Deus criou o universo, estabeleceu certos parâmetros, ou leis, para seu funcionamento. Um exemplo de fácil compreensão é a lei da gravidade. Se jogarmos um objeto para cima, subirá uma pequena distância e depois cairá – sempre. Podemos fazer a experiência mil vezes e obteremos o mesmo resultado, todas as vezes. No entanto, se jogarmos o objeto para cima e este ficar parado no ar sem nenhuma sustentação, isto é um milagre. Uma das leis da natureza estabelecida por Deus (a da gravidade) foi contrariada.
Neste sentido, o nascimento de uma criança, por mais maravilhosa e comovente que seja, não é um milagre. Deus determinou que este fosse o modo normal de os seres humanos se reproduzirem. Os relacionamentos normais dos indivíduos levam à concepção, desenvolvimento e nascimento de um novo ser, sem qualquer intervenção miraculosa. Poderia-se contestar que sem a ação de Deus o nascimento não seria possível. Concordo, mas isto não faz do nascimento um milagre. Deus também está por trás da existência do ar que respiramos, de cada batimento cardíaco que temos e de cada botão de rosa que floresce. Mas estes acontecimentos não são milagres, são a norma.
Vejamos o conceito de o milagre ser um acontecimento excepcional, a exceção à regra. Se a cada vez que jogássemos um objeto ao ar ele se comportasse de forma diferente, não haveria a lei da gravidade. Podemos chamá-la de “lei” porque sempre se comporta da mesma maneira. O milagre é a exceção. Todo nascimento não pode ser um milagre, pois o milagre passaria a ser a norma e deixaria de ser milagre. O milagre é raro (ou raríssimo), pois está fora da rotina.
Não me entenda mal. Não estou dizendo que milagres não acontecem ou que Deus não faz milagres. Sou o primeiro a afirmar o contrário. Contudo, isto não significa que a principal maneira com a qual Deus trabalha no universo é através de milagre. Deus trabalha muito, mas muito mais, através de meios naturais e corriqueiros; tanto os que ele mesmo estabeleceu como os que deu condições ao ser humano de descobrir ou desenvolver.
Deus cura enfermidades através de meios como: o mecanismo normal de cicatrização automática que ele mesmo colocou no nosso corpo, o uso de remédios “naturais” ou sintéticos, os atos cirúrgicos e até mesmo mudanças de comportamento que restabelecem as condições normais de funcionamento de nosso corpo (dieta equilibrada, exercício, saúde mental, etc.). Deus pode intervir diretamente e trazer cura instantânea (milagre), mas não é sua maneira usual de trabalhar. Nenhuma destas maneiras de curar é mais espiritual que a outra, pois todas são realizadas por ele.
Deus fala ao nosso coração com muito mais frequência através da Bíblia, de uma pregação ou de uma palavra de encorajamento através de um irmão do que através de anjos ou luzes esotéricas. Nenhum destes meios é mais espiritual que o outro, pois todos são meios usados por Deus.
O perigo está em confiarmos mais no milagre do que no Deus do milagre, em buscarmos mais as manifestações sobrenaturais em detrimento daquilo que Deus faz em nossa vida no dia a dia. Esperamos o nosso milagre chegar e deixamos escapar a bênção do convívio diário que Deus quer ter conosco através dos relacionamentos e acontecimentos que nos cercam.
Há mais um mito que devemos desfazer: o de que os milagres de Deus (ou Jesus) levam as pessoas a ter fé em Jesus (ou Deus). Sim, existem pessoas que passaram a ter uma fé salvadora por terem presenciado um milagre, mas não podemos generalizar dizendo que milagres sempre geram fé. São inúmeros os exemplos bíblicos do contrário. As dez pragas do Egito não suscitaram fé nem nos egípcios e nem nos hebreus (que logo em seguida construíram um bezerro de ouro). Os milagres realizados por Elizeu e Elias não promoveram o arrependimento do povo de Israel. Os milagres realizados por Jesus na cidade em que foi criado (Nazaré) não convenceram os habitantes de que ele era o Messias (veja Mt 13:54-58: “E não realizou muitos milagres ali, por causa da incredulidade deles”). Justamente as cidades que mais viram os milagres de Jesus recusaram-se a se arrepender (Mt 11:20-24). Multidões, com milhares de pessoas, acompanharam Jesus por toda parte para ver seus milagres, mas no momento do seu sofrimento e crucificação somente um grupo de 120 pessoas permaneceu fiel. O milagre da cura de um coxo foi realizado através do apóstolo Paulo em Listra. A multidão ficou maravilhada e queria adorá-lo. Esta mesma multidão o apedrejou e o deixou por morto do lado de fora da cidade (At 14).
Todo milagre realizado por Deus é feito com um propósito e para a sua honra e glória. Ele o realiza quando e onde bem entender. O milagre não pode ser exigido ou determinado e nem tem hora marcada. Isto depende inteiramente de Deus. Desista de correr atrás dos milagres baratos e busque a plenitude do Deus dos milagres!
Pr. Kenneth, 27 de março de 2011
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